domingo, 17 de fevereiro de 2008

Tempestades


*




Cacos de vidros,
companheiros fiéis
de jornada,

Fizeram da outrora estrada,
iluminado campo
de flores vítreas

Os pés, acostumaram-se,
e já caminham
por ódio, rancor
ou quiçá,
por mera
cisma.

Nuvens, arrebatadas
numa cúpula,
chovem granizo

Em rajadas
de dor e medo

Minha pena,
de morte,
perdida,
rabisca à força
nas rochas
em estilhaços

Como se a angústia
fosse tinta...
ou brinquedo

"Inspirem-me,
ó raios ,
que gritam ao longe
nos velhos dezembros
dos meus antepassados!"

Eis que
minhas palavras ainda terão asas...
alçarão meus sonhos despedaçados.




(Jessiely Soares)

Deus dos Sonhos



*


Se te esculpo
na areia
toda noite...
De que me vale,
se o vento na manhã
sempre te leva?

Se te tinjo
com tinta óleo
na madrugada

A noite passa,
e a moldura
se esfacela.

Meus desejos
se amontoam
pelos cantos.
Meus cantos
se amontoam
nos desejos...

Faço,
tinjo,
declamo.
Lanço a nossa
sorte
ao som do realejo

Entre surtos de desventura
desses que ninguém
nunca previu.
No deserto
da minha cama
tenho medo

Morfeu não
serve,
nem mesmo,
pra esquentar
meu corpo frio.


(Jessiely Soares)

A mesma solidão



*

o que resta dos desenhos na areia
quando o vento vira furacão,

são retalhos de alguma saudade
espalhados em cacos revoltos no chão.

O que rasga o peito a punhal
quando a lágrima cismada entala e não cai,

são gritos recém paridos de uma artéria triste
que se contorce e faz

o medo ressurgir regurgitando espíritos
desfazendo a paz

E a lua que jaz serena
não sente o pânico a me assaltar

Derrama sentada e sonolenta
brancos raios cheios rasgados pelo ar

Finge tranquilidade deixando-se imensa
na amplidão

Mas enquanto suspira estrelas
tentando inspirar algum bêbado ou alguma canção

Repensa a vida inteira
e queixa-se também da mesma solidão.


(Jessiely)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Dos momentos me perco


*


Vivo catando
sonhos
como quem
cata vida

E catando vida
como quem
cata tempo

Me deixo
em espaços
vagos pedaços
catando o que perdi

cata-vento.

(Jessiely)

Das coisas que não posso escrever


*


Nessas tardes
que o vento faz escarcéu
com as folhas barulhentas
da palmeira

O primeiro apontar de uma estrela
não pode nunca,
ser notado

o nascer da estrela
solitária
embriagada de frio e beleza quieta
não poderá entusiasmar,
não será declamado em versos,
nem transformada em dores
pelas dores inquietas do poeta

E ela aponta
no sétimo céu
enquanto esse vento quente
continua a fazer alarido

E se surge astros oníricos
que habitam teus sonhos mais doces,
assim como a luz dessa estrela
habitando tão longe
não poderei perceber...
nem descrever teu sonhar

Teus sonhos ecoam longe,
longe demais,
para que possam me inspirar.


(Jessiely Soares)

Deusa




*


Meus olhos são náufragos
oriundos das fúrias
desse mar

Sendo assim,
te fantasio onda.

E me tinjo de Iemanjá


*

(Jessiely)

Presente para a vida inteira





*


Dou-lhe a minha vida
amanhã,

Quando você
me puser
nas mãos

E desenhar
meu retrato
em um pedaço surrado de papel

Em qualquer botequim dessa vida,

Enquanto pensa num jeito
de levar no peito
um pouco menos de cachaça
e mais dinheiro pra família

Dou-lhe os meus olhos,
amanhã,

Depois de ter você cansado
pedindo jantar e abraço

"O trabalho me cansou,
arruma a cama, amor?"

E dou
meu melhor sorriso...

Amanhã

Logo cedo,

Enquanto você procura
o outro par da sandália,
a velha camisa rasgada,
esperando o cheiro de café
se espalhar pela casa

Será domingo, amor,
será domingo.

E o sorriso,
que fica na cama,
logo depois de deitar
no afago cúmplice
de tantas manhãs

Ah!

Dou-lhe a lua, amanhã,
amor,
assim que você acordar


(Jessiely Soares)