sábado, 30 de outubro de 2010

Dejavú

Minha mãe e eu criamos Anniely desde que ela era apenas um pensamento.
Ficamos felizes com sua chegada porque ela trouxe, além de alegria, um cheiro de bebê pela casa.
Nós a educamos com singelezas e aos finais de semana saímos a passear em campos de borboletas.
Todavia minha mãe tem uma idéia de cantar inocência e as Pretinhas da Guiné, depois do trabalho, com a vida cansada de tantos alunos diários. Também tem o costume de achar que palavras ao contrário, desde que vindas da minha filha, são coisas encantadas. Eu discordo de alguns pontos...
O bonito dessa história vai ser ver Anniely, que desde a mais tenra idade deixa claro que detesta regras, crescer e dizer aos filhos:

- Minha avó? Minha avó é uma revolucionária!



(Jessiely Soares)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Espelho

"A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós" (Manoel de Barros)



Começo de tarde
minha filha pega o papel
recém escrito
e lê sonoro

"A pedra me revira
serpenteia
me tem pelo avesso"

e o mundo inteiro
gira solene.

Eu tinha que trabalhar
às 14:00 horas batidas
e a voz ainda está presa
em algum lugar secreto.

Nunca mais vou esquecer
o dia em que dei de ouvir
pela primeira vez
o meu melhor Poema
lendo a minha poesia.



(Jessiely Soares)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Recomeço



Setembro de um ano qualquer
na janela para o poente.

Ele não fez segredo,
não fez sermão, não fez gestos grandes.

A porta abriu devagar
e o mato entrou pelo avesso do tapete,
não há grandes singelezas no mato
como também não há singeleza em aranhas marrons.

Ao contrário do vento há uma torre
e do lado contrário da torre
uma floresta de eucaliptos que gastam muita água.

As flores no batente indicam caminho
as roxas querem dizer que sente saudade
e que já sente muito pela ausência.

O bilhete não é necessário
tal qual não é necessária assinatura.

Para certas coisas, basta o rastro, basta o faro
bastam as pistas.

Para grandes amores
basta apenas um aceno
e tudo que há lá dentro
vai se abrindo em gomos, em gomos, em gomos
até dar semente.

O amor é isso
uma eterna repetição
do primeiro pé de planta inventado em vaso de barro.

Há de ser pérpetua,
mesmo que seja diferente a cor da flor,
a repetição da raiz.


(Jessiely Soares)


Versos à Quintana





Um dia alguém comentou
que todos os dias há no mar
pequenos rastros de vida.

- As pessoas não somem simplesmente,
lembre, lembre de Iemanjá -

E eu quase acredito
porque vejo os sorrisos deixarem rastros.
Eu acredito que todos os dias devíamos nadar,

nadar é como voar...
eu não tenho fôlego, por isso, não nado.
É mal de asma.

Hoje estou em crise

e a respiração vai querendo sair do eixo
que lhe foi ensinado,
por isso escapuli da cama
e vim madrugar com letras.

Um dia eu li em Quintana
que quem escreve um poema, salva um afogado.

Eu não tenho fôlego para ser sereia.
Todavia se meu pulmão me sufoca, sei como respirar.


(Jessiely Soares)

Achei a imagem aqui: http://cassiooliv.files.wordpress.com/2008/12/mws-breathe.jpg

domingo, 24 de outubro de 2010

Clarins

Foi escrevendo cancões sem ritmo

que eu dei conta de mim.

Sou uma nota sem encaixe.

O piano está desafinado
e a culpa não é minha

nem dessa hora imprópria
para tanta infelicidade.

Na janela, batuca um galho.
Os ventos vão assoviando
e já faz noite nas nuvens

O que posso esperar?

Moço, moço
você já dorme, eu sei que dorme.

E tudo aqui fora parece
uma gigante sinfonia de saudade.



(Jessiely Soares)

Canção da madrugada

Quando estava próximo
o precipício
dei de entender
o quanto é longínqua a estrada.

No rumorejar das pedras
fui fazendo um canal de enfermidades,
Uma plantação: acres e mais acres de areial.

Frutas mutantes.
É difícil a saída,
os permonores são estreitos
mal cabem num sorriso.

Logo eu, sempre tão geniosa
me pego despercebida
madrugando canções.

pensando em tempestades.

Logo eu
que por muito tempo acreditei
que tudo, tudo nessa vida
estava pousado numa estrela
de
lírio
e
desastre.


(Jessiely Soares)

Serenata


Os pequenos meninos dormem.
Os sonhos são tão azuis.

De tanta calma essa cidade emerge
num mar de deserto.

Pequenos diamantes vão catando seus vãos
e o céu vai virando precioso.

Por muitas vezes, Bananeiras,
seu sobrados,
suas esquinas,
seus casarões e suas travessas
foram tão silenciosos
quanto esse violão calado,
quanto nossas vozes caladas,
Na sublime imensidão de seus seculares olhos.


(Jessiely Soares)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Iluminada




Quando minha avó morreu, minha mãe ainda era feita de sonhos.
Era uma coisa mirrada, com nove anos de idade e uma estrada pela frente.

Era jangada pequena sem ancoradouro, durante à noite tinha medo.

Quando eu nasci, ela me guardou e não deixou que me faltasse caminho.
Ela inventava magia - mesmo quando não a tinha, - aprendi a ler a vida com seus desenhos.

É toda feita de segredos
e de pequenas poesias:

Quando me vejo sem luz volto pra ela, porque me sabe iluminar...
meu Farol-Mainha.



(Jessiely Soares)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Quase aos Seis Anos



Amamentei por muitos anos.
Criei uma menina ao seio e isto me orgulha

Hoje,
ela adormece sozinha
dando boa noite
e recomendando que eu me cubra
para não sentir frio.

Ela está no quarto ao lado

não há risco,
mas eu sinto tanto a sua falta
que corro para sua cama
e ainda canto alguma musiquinha.

Tem horas em que vê-la crescer
dói.



(Jessiely Soares)

Hora do sono






Minha filha tem cinco anos.
Cabelos ondulados.
Facilidade para espantar tristezas alheias
E um espírito glorioso.

Já ouvi duas bonecas conversando
pequenos segredos de caixinhas.
Falavam dela...
não me perceberam.

A mais nova dizia
que não queria dormir
porque era bonito
vê-la
enquanto ressonava.

Não me assustei, concordei até,
essa minha menina quando adormece
fica muito mais linda
que qualquer pôr-do-sol
que qualquer cerejeira em flor.


(Jessiely Soares)

Pé - de - memórias




Olhei tão quieta.
Na menor lembrança que tenho
ele era muito mais alto,
alto e inquieto.

Talvez eu tenha crescido muito
e as coisas tenham saído do foco.

Hoje ele cantou
quando eu cheguei,
no meio dos quarenta graus
eu distorcia imagens.

Calamos porque reencontros não são fáceis,
corri minha mão no seu sorriso.

Seus espaços estão dourados
as folhas se espalhando,
é a estação que vai florir.

 
 
 
(Jessiely Soares)