segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Diário da distância



Eu quero ter a sensação das cordilheiras
Desabando sobre as flores inocentes e rasteiras
                 (Paulo César Pinheiro)

Vê, agora eu tenho o tempo. E o tempo é assim, algo infernalmente escorregadio e raro.
Mas, vê, agora eu o tenho!

No caminho de casa, arrebolizada por todos os lados, eu tinha nas mãos uns poucos e fracos cheiros de sereno.  É o cúmulo. Porque eu queria mesmo era poder espalhar esse cheiro em um poema.
Acredita que não pude? Eles se dissiparam na curva anterior ao meu portão.

Agora, note, tenho tempo, sereno lá fora e amigos sofrendo. Tudo isso espalhado pelo mundo.
É melancólico isso, eu tenho tempo mas não tenho a cura. O sereno canta e eu não posso pegá-lo. Amigos em outro hemisfério. Não tenho uma ponte de interligação... Nem um vento para chegar de velas e bicicleta!

Começo a me sentir provisória. Pinto sereno nas paredes. Gotícula após gotícula impregno algumas sensações. Formo rostos conhecidos.

Algumas nuvens se aglomeram na lua pela metade. Certas coisas me prendem e eu perco meu tempo a analisar se, de mais algum lugar do mundo, a lua parece ser tão bonita.

Envolvo meus anseios no cheiro do café, migro para a cozinha, como ave para o Sul.
Minha filha me chama na sala, ela construiu um castelo.

O tempo começa sua triste sina de escorregar, eu tento apará-lo com a xícara, mas ele trisca nela, quebra o encanto, derrama meu café e vai embora. E nem leva os cacos junto, ingrato!

Junto cacos, serenos, pormenores e ainda encontro no chão, embaixo da geladeira, um bilhete amassado de quando suas mãos eram presentes.

Não tenho mais tempo... e é bem aqui que eu recomeço. Todavia, não volto ao ponto da primeira partida.

Senão eu ainda teria seu cheiro e uma pangeia para cruzar horizontes.
(Jessiely Soares)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

MULHERES NUAS II




É, meu bem, as coisas andam fazendo sucesso.
Depois da ideia magnífica do Paulinho, o "Mulheres Nuas" o projeto começou a se espalhar pelo país.

Na sua segunda edição, agora aqui no Nordeste (uhul!) estaremos no Maranhão.

De 1º à 4 de setembro. No hall da biblioteca da UFMA. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO.

Diariamente, das 09h às 18h.
Entrada franca.

Há mais alguns lugares do país prestes a receber o projeto como... Ah, não, não vou estragar a surpresa :)

Aí está o flyer, agora um tantinho diferente, para abrigar tanta gente.
A grande novidade é que temos mais autoras dessa vez.

:D

Visitem-nos.

Abrações,

Jessiely Soares

Pensando Linear



No horizonte, horas antes do dia se pôr no mar
eu, Oceano pacífico, parto
as geleiras
que se tingem na pele dele.

Quem o vê não sabe, com seu jeito
sem alarde
o quanto é do Sulamericano
o seu vento.

Nem sei como ele pode ser feito de textura de neve
e não derreter
com aquele coração - linha do Equador - que arde lá dentro.



(Jessiely Soares)





 ( Pensando Linear ou André Espinola)

domingo, 23 de agosto de 2009

Ave Mainha






Não sei porque
ela gosta tanto de balé
e nem sei a quem saíram
os seus cabelos lisinhos.

Sei que me faz falta
quando ela não corre na casa
mesmo quando saiu apenas
para a casa da vovó
ou pro parquinho

Sei que ela um dia seguirá seu
destino...

Mas, eu sou como ave.
Enquanto posso, aconchego-a nos braços
faço o dia dormir com cuidado
e guardo a pequena em meu ninho.


(Jessiely Soares)


Imagem: Jessiely Soares

Giz de Cera



sorriso
de meio dia

e ela canta
e pede biscoito
e água

eu entrego
a revelia

porque acho que tudo isso não acrescenta

ela nada nota

e corre, e pula
e anota

palavras que o vento inventa.


(Jessiely Soares)



Imagem: Jessiely Soares

Azul-Piscina





Eu via a novela,
ela brincava com canetas.

Impulsionando-as de um trampolim
de arranjo de flores.

A cada empurrão
uma caneta gritava

"a água está quentinha"

e o estrondo se dava
em cima do vidro da mesa
Num misto de sons e cores.

E a minha pequena ria,
ria,
a cada caneta
que das pequenas mãozinhas
pulava travessa

Por falar em coisas que se vê
não vi mais a minha esperada novela

mas, apenas a pequena
e a brincadeira inventada,
por sua azul-piscina inocência.



(Jessiely Soares)

Pequena





pé ante pedra
ela pula os degraus
até embaixo.

eu gritando feito louca

"Olha o carro!"

ela apenas sacode os cabelos
de fino embaraço:

"Não há. Posso atravessar?"

antes que eu lhe diga
sim

já está do outro lado.

Independente
quer ser ela

ainda de tranças e meias.

Não faz idéia do que é
caminhar pedra ante pé

por uma vida adulta inteira.


(Jessiely Soares)


Imagem: Jessiely Soares

sábado, 22 de agosto de 2009

Pedaços





"Minha vida não cabe nos trilhos de um bonde"
(Caio F.)



É, há noites em que o sereno invade a sala de estar, mesmo com as janelas fechadas.
Não sei o que há, Baby. Minhas asas andam descolorindo.
Não tenho gosto por cigarros, porém, se eu gostasse, poderia criar uma nuvem venenosa e me afogar em um ritual.
Mas eu realmente não fumo. Tenho gosto por tulipas.
Tulipas não vivem onde mora ausência. Minha sala anda recheada de saudades velozes.
Contudo, certamente não sei se a ausência é apenas de você, sabe? Por entre as pedras soltas, eu acabei descobrindo que ando sumida.
Será que foi o vento de Julho?
Dia desses achei um poema, debaixo de uns livros velhos. Perdi o Leminski que estava lendo, mas guardei a poesia. Desde essa hora em que o achei, pareceu-me que eu sumia. No começo achei que era viagem... Mas agora vejo que me ausentei. Em lapsos, tempos em tempos, percebo que sua bagagem seguindo ao seu lado, de ida demorada, levou-me um pedaço.
E, a continuar nesse episódio, sua conexão via celular, me arrancou mais alguns estilhaços.
A julgar daí, todos os momentos, foi como se eu estivesse me desmontando, periodicamente, e alcançando seu gesto de alguma forma: Ora pelos remansos dos rios do Recife, ora pelos pingos de chuva.
A vida é mesmo um desmoronamento progressivo. Eu fui ficando metade, fatia, pó...
E no último dia, antes de vir embora, não percebi ( e nem você ) que eu ficava, completamente carcaça, dentro daquele ônibus interestadual.
(Jessiely Soares) 
Imagem: Google.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Naufragado Poeta





O sol recifense desperta
E, espreguiçando-se ainda,
Livrando-se do torpor da noite,
Com seus primeiros e fracos raios de calor,
Depara-se com uma cena curiosa:

Eu vou, sozinho numa humilde canoa,
Remando com meus remos de plástico
Pela Bacia do Pina,
Como um sobrevivente de um naufrágio
Em busca da ilha perdida.

As águas estão calmas
E se vê as margens a terra lamacenta do mangue,
Enquanto a maré baixa
Contrapõe-se à enchente na minha alma.

As pessoas sobem a ponte lá em cima,
Dentro dos carros e ônibus
E me observam até a descida:

Tomam-me por pobre pescador,
Daqueles que nem
Rede de pesca
Tem.

Quando eu sou apenas um poeta
Fugindo do naufrágio da vida.



ANDRÉ ESPÍNOLA (Recife - PE) http://andreespinola.blogspot.com

Sinestesia




Não somos parecidos
nem sequer nos desvarios e esquecimentos.

Um porto selvagem se perde além das nossas trincheiras
e o que resulta
além do arrastar uma areia espessa

é algo como um chuva
num chão devastado por
por cores de serpentes e borboletas.

Tu és esfinge
eu sou apenas
o espectro

e ainda assim, não somos parecidos
nem sequer em nossas tormentas.

Caminhamos lado a lado
eu, fazendo escarcéu com o gosto do toque da névoa
e o teu rosto brincando de incendiar os belos
e mortos
pássaros de ar

que tu mesmo inventas.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Enquanto semeio canções





Hoje é como se eu andasse de novo por aquele caminho.
A mesma noite ainda treme.

Como se o Sol aportasse outra vez, como se fosse ontem,
com aquela vista perene.

É como se a vida inteira tivesse parado
num circulo eterno
e todo o meu caminho acabasse no exato final dos teus olhos

Hoje é como se nao amanhecesse nunca.
E como se, de todas as canções, nenhuma restasse

Hoje é como se além da névoa e daquela ruína
o dia, o horizonte, num maremoto de nuvens,

e cada falha nessa ponte que passo,

apenas te gerassem.




(Jessiely Soares)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Caminhar-deserto




Teu olhar
esse doido
amotinado
rebentou vidraças
estilhaçou anteparos

perverteu rumos
de um caos perfumado
que não será futuro.

onde me cabe a tua compaixão
- esse toque de leveza -
de tudo sobrou
só a correnteza

esses cacos
esse cheiro de sândalo
esse teu olhar acorrentado
aos pés de algum vale sagrado.

teu olhar
esse doido
amotinado

destruiu minhas tâmaras
- as certezas do meu caminhar deserto-
e meu cântaro.




(Rosa Cardoso e Jessiely Soares)

domingo, 2 de agosto de 2009

Desatino



na pedra fria
caída ,distraída
na chuva
balbucio atos.

Todos falhos

o lobo sorri
escondendo os dentes
eu sorrio
desvairada 

o frio  escorregando pelas entranhas

cortada ao meio
lacerada

 descia pela chão
em  belos arabescos




(Rosa Cardoso)

sábado, 1 de agosto de 2009

Antítese




É noite
e o Sol
brilha.

- É dia!

É noite ...

Porque essa coisa mística
adivinha teu nome

É dia - dizem -

Mas em mim,
é noite.





(Jessiely Soares)

Ave negra



Só risco o teu céu
em dia de chuva e de vento
e canto no teu muro
para te acalmar

Sempre que há tempestade.

Quando o céu fica azul
faço o caminho inverso
volto pra o teu inconsciente
pra teu esquecimento efêmero

E nada mais te peço.

Só quando os raios desfazem
a paisagem dos teus desejos,
tu me trazes de volta,

com as asas negras
pousadas em teu peito.

A primavera é só tua
entre noites de lua e concreto.
No frio, vulnerável,
reacendes-me

Só eu sei clarear o teu inverno.



(Jessiely Soares)

Olhos de Jabuticaba

Para Anniely Mariah


Por seu barulho
a casa em silêncio
ansiosamente espera

Os pequenos quadrados
os jarros pintados
as paredes fingidas de tela.

Menina,
ciclone
extra
tropical

Nos espaços onde você impera
rastros de flores e cavalos
canções de ninar em abraços

Segredos entre criança
e bonecas.



(Jessiely Soares)


Imagem: Anniely Mariah

Autoria : Jessiely Soares