quarta-feira, 22 de abril de 2009

Duplicidade


Ela se tinge
bela
de tecidos
e esperanças
em castellano.

Um século
de pequenas
parcelas
de sangue em pires,
de planos cartesianos.

Eu apenas miro-a do espelho
penso que sou o reflexo dela,
que
maquiada,
vestida de pó,

cocar
e
linha
com canela

fuma os pequenos pecados

enquanto eu, suando algemas,
sou apenas
selva,
holograma
e insígnias

O corpo é meu.

Noite fingida,
até isso fantasiaram
de medo,

a ciência anda tão provocativa...

Fatos e desafetos
andando pelas calçadas

ela,
de manhã transfigurada
acorda
em passeata
furiosa
e etílica

O seu cheiro mora em meu corpo
sou feita da sua erva.

O corpo é meu,
visita a Igreja,
museus e ruínas...

A alma é dela
me olha do espelho
e se tranca no quarto
de cima.

Ela sou eu.

Eu sou ocaso,
ela minha alma,
estranha aparição,

escondida pela minha sina.



(Jessiely Soares)

Marcas





Quando teu Garcia Márquez sem capa
caiu da prateleira
e teu corpo
serpenteou para pega-lo

Não poderias prever
que a divisão dos teus medos
constava de monossílabos
e pequenos estilhaços.

Se tu tivesses me previsto
eu não seria tua pintura
impressionista.

Nem Maria,

- por Eça de Queirós,
tão perfeitamente construída -

Cruzando, com rubro guarda sol,
as ruinas do teu fado.

Se teu Cem anos de solidão nao caísse no meu colo
assim,

como dado viciado do destino,
e a mancha não nos tivesse violentado

eu não te diria que o escuro tem braços,
e, somente nós não sabíamos.

Se tu me soubesses antes disso
eu nem saberia do teu abraço
Nem da marca indelével,
de um sabor que não cruza a calçada

Feita de manhãs e cafezais
pintado num passado amanhã despedaçado:

No dia em que teu Garcia Márquez sem capa
caiu da prateleira
em meu corpo

que, com fúria de pó e fera,

aninhou-se para entrega-lo.


(Jessiely Soares)



Imagem de: ..:Geisa:..

Hemotoxia (Mjúlia Pontes e Jessiely Soares)


Não, eu não vou parafrasear Chico,
Embora caiba, não me é direito,

Nem procurar nos blues de Djavan
O que não desperdiçarei tal Caetano

num gesto de quem encontra a fuga,
no rastro de amor e abandona a ilha
por seu peito

Não, eu não vou tentar expressar.

O que seria maior do que ficar na sua pele
Feito tatuagem?

Um dia pedirei perdão a Chico.
E tingida de ternura ainda serei poema
com nuance
E tingida de poemas ainda serei nuance
Com flor de tinta.

Eu sinto você correndo em minhas veias,
Músculos, retina,
epiderme em ardor desatinado,

E queima, pulsa, muda canta a canção
Que inventou só pra me encantar,

No nosso pé que brotou Maria
Nasceu arco-íris em chamas lilás,
numa estrada pura,
na madrugada que ainda não morreu.

Entendo, você ainda não sabia,
Que seria amor o que já doeu,
na manhã, das nossas vidas...

A minha íris precisa da luz
que emana de tua voz.

Perceba, querido,
pelo gesto que ainda sobra das manhãs e do breu,

todo o passado se envenena:

A verdadeira Maria, sou eu. 
 
 
 
 (Mjúlia Pontes e Jessiely Soares)
 

segunda-feira, 13 de abril de 2009

MULHERES NUAS


É com orgulho que aviso da minha primeira exposição.
Intitulada "Mulheres Nuas", terá pouso em São Paulo, no Poupatempo de Itaquera, dentro do complexo do metrô. De 13 a 31 de Abril.

Visitem, prestigiem.

Abraços,


Jessiely Soares

domingo, 5 de abril de 2009

Dos vidros partidos



Eu me contabilizo em meio a multidão desenfreada.
Eu me enumero sozinha.

poros,
unhas,
praia
e retina


Tenho um tipo de frequência cardíaca
que não cabe no peito

nem nas contagens

menos ainda
nos desfribiladores
e na medicina


eu sou um caco,
um penúltimo ato,
uma paisagem,

um abrigo para a chuva.

eu sou algo que divide
mas não tenho densidade
para impedir que a ventania
adentre as madrugadas.
Eu sou uma cortina.

A tristeza está lá fora
como uma garoa fina e alvoroçada

Eu não quero que ela entre...
bastam-me os relógios.

Mas minha janela está quebrada.



(Jessiely Soares)
Imagem por whereohwhere

quinta-feira, 2 de abril de 2009

De quando nossa vida conversa


Varanda
de porta
entreaberta

o vento que escorre de longe,
quente,
me chega às avessas

traduzindo murmúrio de conchas
das horas
surdas e longas

com as memórias,
feridas vivas...

e é quando nossa vida conversa.

Eu lhe mando um bilhete
eólico

com mil beijos
etéreos

para que se acaso pensar
que não mais lhe penso em  versos

saiba que mesmo de longe
a nossa varanda ainda esconde
os poemas que eu não entrego.

e esse vento que viaja de volta
e que lhe chega às avessas

carrega cantigas de noites
das janelas de ruas desertas

é a cidade do interior
que lhe manda um beijo no rosto

e diz que sente desgosto
na noite em que você não regressa

assina com cheiro de lua
para que eu me finja de espelho

bem aqui, onde eu nao o vejo,
e onde nem mais me lembro
como se escreve poesia

seu sorriso relicário
me volta em ondas de vento
e se escreve como poema
sem tormento, em minha folha vazia


(Jessiely Soares)