quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ávida


Eu não sei direito...

Ela não faz curvas, nasce reta, caminhando pra frente.
Eu sigo logo atrás, vela na mão, candeeiro pedindo clemência.

Sou a que segura a sombra, a que enfeita o escuro, a que guia a cegueira temporária das manhãs

E, se há algo nesses detalhes esquecidos que eu não conheça, é necessário que se aja com paciência. Afagos de garupas de pensamentos não nascem em ordem crescente ou decrescente. O dia se atrapalha com as carícias das lembranças.

As coisas, quando inseridas em algum momento de amor, seguem sentido próprio.

Um farfalhar de sorrisos, uma história de mata fechada, uma manhã de estuário. A voz dele embaraçada a uma música Cotidiana de Chico.

A vida vai me estirando na estrada de poeira...

Lado a lado, o cajado dela me traçando rotas.

Eu, com meus pequenos temores. Ela, com os seus fios desencapados.




(Jessiely Soares)

Ingr(atos)atos


Há muitas coisas
aladas
por essa vida.

Menos esses meus cegos dias
atados aos desígnios de uma cadeira.

atos ingratos
causam paraplegia
por poesias inteiras



(Jessiely Soares)

Diariedades


Amanhece
e as coisas pequenas
vão se pondo em seus lugares

O costume tem dessas coisas.

A porcelana
reconhece a mesa
diária
e o pão recém nascido

Nada se perde nas
entrelinhas das conversas.

Nada do cerimonial da manhã é esquecido.

Mas em dias de despedida
a louça volta sozinha pra pia
e espera a matrona

Há de ter-se paciência para o banho!

Há dias em que
tudo que existe, incluindo chuva
e coisas da casa
ficam para segundo plano.


(Jessiely Soares)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Simbologia II


A noite adormece
às 18:00 em ponto
e a vida toda dá corda em seu sistema

no teto solar do mundo
vão surgindo estrelas
e lá fora

com colírio de orvalho
Girassol guarda o olhar do dia.

Eu espirro
porque tenho alergia
ao gato que entra faceiro na sala

Minha filha compõe alguma canção inabitável
e nas paredes, avermelham-se desenhos
que ela estampou

Nada mais fala,
somos apenas um segredo





(Jessiely Soares)

Simbologia







Quando a tarde cala os barulhos de chegada
após o trabalho
eu me faço matrona,jantar e cheiro do café.

Não há solidão aqui desde o Mais Encantado Ano.

Há entre as paredes escurecidas da casa
símbolos de infância,
som de voz de criança
e uma canção desordenada no piano.





Jessiely Soares

sábado, 28 de novembro de 2009

Camiñante - Diários da Distância VI

http://images.worldgallery.co.uk/i/prints/rw/lg/8/0/Henri-Matisse-Naked--1941--Silkscreen-print--80191.jpg




Partida à revelia.

O deserto se esgueirava ali, bem em suas costas, tatuado como uma dança de serpentes.
Ela, partida à revelia, carregava num pequeno cantil a casa guardada, segredos de poeira.
Existiria música, e também quem pensasse em lhe agradar os olhos com as ondas barulhentas de um mar sem doçura alguma.

Nômade, catava grãos de pensamentos pelas calçadas arruinadas.

Há pessoas que nascem para o ar, outras tem o corpo de águas marinhas,
ela, arrancada das rochas de seu lugar, era do vento do deserto, das areias do passado, das cidades andarilhas.




(Jessiely Soares)




Imagem: Henri Matisse Naked--1941

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Vulcânica

http://www.grupoescolar.com/a/b/A8FBA.jpg



Quando todos os versos
ainda eram jovens

numa juventude tão profunda
que ainda era possível senti-los tremer

a minha pena cansada
escrevia sob a luz que jazia
aos pés do candeeiro

Era algo tão recentemente nascido
que me era difícil distinguir os filhos

E a poesia era de um vento tempestuoso
que não me deixava ter noites de paz.

Agora, depois de tantos versos passados
tudo parece adormecido
antes mesmo do meu sono pesado
se instalar em minha cama vazia.

E a pena, parece ter estado fincada no tinteiro
sem candeeiro nenhum.

Me torno, pouco a pouco, um arquipélago
onde nadam pensamentos transparentes

Com os versos que já foram vulcões
agora em repouso
como poesia-magma
( poemas-imprevisíveis )
dentro do meu ventre.



(Jessiely Soares)

Diários da distâncias V

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjOqeI_tcXpFUC2aHo2Vf9OS_Q9viltvgRvCgPszm2fFytrAZL-U5wjsJ9nArU7LVK5bCrKEfK4mct-oeyurHDedPcgISlm4Zh4e9Bsk6IFej5Jg0rUAqs_7nG_0_romNjPW2thVyji_4/s400/ilustra%C3%A7%C3%A3o+do+centro+hist%C3%B3rico+de+recife.jpg


Como se eterno e sacro fosse
eu me calo aos seus cuidados

e mando para você,
pensamentos ordenados
como trabalho de artista.

Eu, pintora de pensamentos
deixando marcados no vento
coisas lembradas à distância

romance de tintas frescas
pintado em telas de partida.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Poeminha para um dia antigo

http://dudabrama.files.wordpress.com/2009/10/recife-antigo.jpg

.


Era sexta-feira santa
e nada era mais claro
na sequência de postes
pela madrugada

que os teus olhos
de Recife antigo
- refletindo vinho barato -
na calçada.




(Jessiely Soares)



Como é de se esperar, a imagem tem dono: Olha ele aqui.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Quinta estrela

http://mob185.photobucket.com/albums/x93/perdida2007/MULHERES3/estrela_mulher.jpg?t=1242309515


Eu poderia,
numa hora dessas,
ser alguma atriz.

Encenar uma peça
onde no fim da festa
pusesse meu sonhos na ponta da quinta estrela

deixando-os
pendurados
de cabeça para baixo

por um triz.

Ou será
que em todos esses devaneios
em toda essa ideia de esquecer meus anseios

eu já não o fiz?






(Jessiely Soares)

sábado, 14 de novembro de 2009

Diários da distâncias IV

*




Hoje eu estive um dia inteiro só.
Pode-se reconhecer a solidão muito facilmente: Todos os ecos do mundo respondem em apenas sua voz, as paredes são espelhos de um ocaso e há, normalmente, músicas a rolar no ambiente. Ambiente esse que certamente estará mudo.

Nenhum homem deveria estar sozinho sem querer estar. Nem mesmo Baudelaire.
Ele, que concebeu a solidão como virtude, deve, em algum momento da vida, ter sentido essa dor lascinante de que lhe faltava teto e chão.

Solidão é estar presa à janela: a mão em concha, a esperar sereno para companhia, debaixo de um o céu vertendo azul.
O corpo, silenciosamente deitado, buscando sonhos; o sono escondido debaixo do travesseiro.
Nada, nada, completamente nada pela casa. Um cais vazio, barcos largados pelo mundo, garrafas em busca de destinatário.

Telefone mudo.
Porta-retratos mudos.
Meia luz na sala muda.
Um milhão gritos surdos enterrados no peito.

Nenhum homem deveria estar só por obrigação. Sem vinho e nem poesia.
Nenhuma mulher deveria estar sozinha no meio de um sábado de Sol, com esse gosto de musgo grudado nos olhos.
Nem mesmo eu.



(Jessiely Soares)

sábado, 31 de outubro de 2009

Desesperación


De todas as faces das minhas angústias
essa, aqui, refletida na mesa

entre corais e bandejas
essa é a que mais me domina.

Essa, coberta de tantas esferas
essa que a tudo se assemelha

essa que reflete e verseja
essa que mais me ilumina

é a que mais me amedronta.

Essa que me acompanha
quando nada mais me encontra.

Essa que eu nunca confesso,
essa, com a qual nunca sonhei

essa completa e disforme
que me prende e não some

essa estranha insone

essa, meus caros leitores,
essa que sou eu mesma
embebida em tantas tristezas
que eu já nem lhe sei mais o nome.




(Jessiely Soares)

Sueño

http://arturguimaraes.files.wordpress.com/2007/07/sonho1.jpg




Gotejou-me
e eu era terra fértil.

Brotado
decidiu não vingar.

Caule partido.
Deserto imperando,
folhas, raízes, navios de ar,

sem hora de lançar âncoras.




(Jessiely Soares)

Deserto de olhos


http://vozesdomar.blogs.sapo.pt/arquivo/368254.jpg



Há muito não chove.

Pregado no lodo que sequer existe
está meu aprendizado sobre a vida:

Uma lágrima solidificada,
uma mão calcária,
uma fagulha,

umas coisas miúdas,
um álbum de fotografias,

algumas rachaduras mortas,
estraçalhadas de ar.

Uns sorrisos que vovô me dava
balançando na sala
numa cadeira com panos.

Alguma frase para ser
o arremate dos poéticos enganos
e essa vida, por demais vazia

Tudo nas cicatrizes que larguei
para o vento fragmentar.

Já que esse lodo, que sequer existe
tem alguma coisa que eu ainda queria:

olhos de açude rachados de seca,
ruínas de mares, e essas manhãs em que eu não mais me chamo.

Sutis mortes que ainda me deixarão
fóssil,
cinzas
ou poesia.




(Jessiely Soares)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cantos para o infinito








Nada cabia ali.
E ao mesmo tempo, cabia um rodopio de ares e gaivotas.

Devagar, com a singeleza dos pequenos afetos, eles se iam e voltavam como marés.
Algumas canções e pingos de água salgada dos cabelos dela, assentavam na areia dos pés dele.

Eram, de repente, soltos em meio a tanta conchas, um veleiro. Com panos de cobrir a vida.

Jovens, decerto, porque ainda eram tingidos com as nuances da inocência.
E todo o paraíso ainda era de nuvens tamanhas que adivinhavam aviões.

E ela nunca havia navegado no Pacífico.
E ele nunca havia visto o Sol nascer no Atlântico.

A vida era uma boca de engolir sonhos, no meio do mar morto, sais de todos os tipos agrupados nos olhos.

E a liberdade cheirava a coisas sublimes.
Eram finalmente dois navegantes das areias infinitas.

Além, muito além do ancoradouro.


(Jessiely Soares)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Diário da Distância III



Agora perceba, agora, que o ônibus partiu
e a casa inteira pôs-se a  me consolar,
perceba que o mundo inteiro
é composto de uma calma gelada.

Se fosse diferente - note que eu possivelmente serei incoerente -
as efusivas divisas não teriam a duplicação das estradas e
não seriam todas recobertas de asfalto brilhante.
(quando eu era menina, entrei no mar de Tambaú e sujei meus joelhos com piche)
e menos ainda convidativas e iluminadas.

E para que tudo isso existe senão para cultuar a distância?

O ônibus já partiu.
Entre o retrovisor e eu, já há léguas.

Mesmo assim, estou aqui,  com esse frio digno de São Petersburgo,
disposta ainda a lhe fazer um aceno. Uma cena...

Para que você compreenda
que esse mundo, nada mais é que uma agonia longa, asfaltada e portadora de saudades
e que nós, coniventes, chamamos de casa

É uma fábrica de distâncias, para que olhos famintos de companhia
sofram as dores que separam todos nós:

habitantes terrestres
de ninhos reformados,
tolos órfãos da pangéia,
animais sem asas.



(Jessiely Soares)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Alvenaria




Alguma coisa entre nós, sempre me prende ao romântico:
ao profano, ao sagrado, ao recanto
onde possa construir um descanso
para deitar e ouvir sua voz.

Quero construir, ao redor dessa arquitetura, uma lagoa
e nela pôr patos selvagens.

Quero um afago de cavalos a correr pelos fins de tarde,
quando a serra se tinge de vermelho

Quero um balanço bem grande para brincar de assanhar os cabelos
de minha pequena

Em uma vida nada barroca.

Um banco de descanso, um pôr de sol soberano,
uma casa-inventada-poema.
Com entradas para ventos que saibam cantar cantigas.

Você e eu. A pequenina.
Desenho de dois poetas, casa de fazer poesia;
Como ecos pelo amor de tudo, como cantos a encantar estrelas.

Casa-Poema de inventar mundos,
casa-poema para criar os filhos,
casa-poema de cimento e telhas.


(Jessiely Soares)



IMAGEM - João Barcelos ( AQUI )

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Diário da Distância II




Descobri que meu coração gosta de pontes. Sem importar o rio, os canais: Paraíba, Waal, Capibaribe.
A claridade da água de Porto. O sabor de cerveja das Boas Viagens.

Meu coração gosta da lembrança da pousada com janela pro mar. Do gosto de permanecer adornada pelo Galo da madrugada e por desconhecidos campos de tulipas.

Eu não tenho sensores.
Não gosto de celulares ligados, justamente, porque não sei contornar distâncias pelo fio do telefone.

Eu temo às vezes não ser desse mundo moderno. Por não compartilhar com efemeridade do contentamento da Webcam como porta de saída de para solidão da universalidade.

Meu coração gosta das pontes que cantam frevo. E das que visualizam moinhos.

De distâncias ele só gosta, por ocasião de necessidade: paisagem de pontes, mundos distantes; o homem que amo nos Recifes da vida , a amiga, aventureira, na Holanda e eu, nem ao menos, lhe sei mais a cidade.



Jessiely Soares

sábado, 26 de setembro de 2009

Ella





"Se as minhas mãos pudessem desfolhar"

                                         (Garcia Lorca)

Ela, de acordo com o dicionário, flexão feminina de ele. Metamorfose que cabia no vão de uma porta. Algo inconcluso, como um bordado de meio Sol, que não era sequer eclipse.
De mãos meio acorrentadas, com alguns trocados no bolso, era a imagem da perseverança falha.

Nada lhe pertencia.
Apenas recitava ― calada ― alguns poemas de Lorca, em um tempo de desabitar desejos.

Universo incompleto, desprovida de átomos.
Uma nudez, uma paisagem de seca.

Sequer os desvarios lhe perteciam.

Na breve contagem dos dias, se sentia a perfeição de porcelana: Mãos definidas e paradas, coração de singeleza opaca, boneca indiferente com rosto bonito.

E uma metade de um poema esquecido para ser escrito na lápide.



(Jessiely Soares)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

P&B



Saudade: Você pousado na sala com uma tez de papel e um sorriso constante.

Deixo minha vida, sentada ao teu lado, 
um retrato, de branco e preto desbotado,


na mudez da estante.


(Jessiely Soares)

Extremos


 Para Nathércia,
Porque todas as Tulipas me lembram ela.



Talvez se antes da rua de pedra alguém plantasse tulipas,
eu sentasse de frente para os meus sonhos e os dissesse:

- Pequeninos, vocês ainda moram comigo?




(Jessiely Soares)

Silêncios



Tenho bordado uma cantiga de ninar por dia.
A noite, tendo ouvido, tem chegado devagar.

Temos adormecido juntas, cantando manhã para pardais.




(Jessiely Soares)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Diário da distância



Eu quero ter a sensação das cordilheiras
Desabando sobre as flores inocentes e rasteiras
                 (Paulo César Pinheiro)

Vê, agora eu tenho o tempo. E o tempo é assim, algo infernalmente escorregadio e raro.
Mas, vê, agora eu o tenho!

No caminho de casa, arrebolizada por todos os lados, eu tinha nas mãos uns poucos e fracos cheiros de sereno.  É o cúmulo. Porque eu queria mesmo era poder espalhar esse cheiro em um poema.
Acredita que não pude? Eles se dissiparam na curva anterior ao meu portão.

Agora, note, tenho tempo, sereno lá fora e amigos sofrendo. Tudo isso espalhado pelo mundo.
É melancólico isso, eu tenho tempo mas não tenho a cura. O sereno canta e eu não posso pegá-lo. Amigos em outro hemisfério. Não tenho uma ponte de interligação... Nem um vento para chegar de velas e bicicleta!

Começo a me sentir provisória. Pinto sereno nas paredes. Gotícula após gotícula impregno algumas sensações. Formo rostos conhecidos.

Algumas nuvens se aglomeram na lua pela metade. Certas coisas me prendem e eu perco meu tempo a analisar se, de mais algum lugar do mundo, a lua parece ser tão bonita.

Envolvo meus anseios no cheiro do café, migro para a cozinha, como ave para o Sul.
Minha filha me chama na sala, ela construiu um castelo.

O tempo começa sua triste sina de escorregar, eu tento apará-lo com a xícara, mas ele trisca nela, quebra o encanto, derrama meu café e vai embora. E nem leva os cacos junto, ingrato!

Junto cacos, serenos, pormenores e ainda encontro no chão, embaixo da geladeira, um bilhete amassado de quando suas mãos eram presentes.

Não tenho mais tempo... e é bem aqui que eu recomeço. Todavia, não volto ao ponto da primeira partida.

Senão eu ainda teria seu cheiro e uma pangeia para cruzar horizontes.
(Jessiely Soares)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

MULHERES NUAS II




É, meu bem, as coisas andam fazendo sucesso.
Depois da ideia magnífica do Paulinho, o "Mulheres Nuas" o projeto começou a se espalhar pelo país.

Na sua segunda edição, agora aqui no Nordeste (uhul!) estaremos no Maranhão.

De 1º à 4 de setembro. No hall da biblioteca da UFMA. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO.

Diariamente, das 09h às 18h.
Entrada franca.

Há mais alguns lugares do país prestes a receber o projeto como... Ah, não, não vou estragar a surpresa :)

Aí está o flyer, agora um tantinho diferente, para abrigar tanta gente.
A grande novidade é que temos mais autoras dessa vez.

:D

Visitem-nos.

Abrações,

Jessiely Soares

Pensando Linear



No horizonte, horas antes do dia se pôr no mar
eu, Oceano pacífico, parto
as geleiras
que se tingem na pele dele.

Quem o vê não sabe, com seu jeito
sem alarde
o quanto é do Sulamericano
o seu vento.

Nem sei como ele pode ser feito de textura de neve
e não derreter
com aquele coração - linha do Equador - que arde lá dentro.



(Jessiely Soares)





 ( Pensando Linear ou André Espinola)

domingo, 23 de agosto de 2009

Ave Mainha






Não sei porque
ela gosta tanto de balé
e nem sei a quem saíram
os seus cabelos lisinhos.

Sei que me faz falta
quando ela não corre na casa
mesmo quando saiu apenas
para a casa da vovó
ou pro parquinho

Sei que ela um dia seguirá seu
destino...

Mas, eu sou como ave.
Enquanto posso, aconchego-a nos braços
faço o dia dormir com cuidado
e guardo a pequena em meu ninho.


(Jessiely Soares)


Imagem: Jessiely Soares

Giz de Cera



sorriso
de meio dia

e ela canta
e pede biscoito
e água

eu entrego
a revelia

porque acho que tudo isso não acrescenta

ela nada nota

e corre, e pula
e anota

palavras que o vento inventa.


(Jessiely Soares)



Imagem: Jessiely Soares

Azul-Piscina





Eu via a novela,
ela brincava com canetas.

Impulsionando-as de um trampolim
de arranjo de flores.

A cada empurrão
uma caneta gritava

"a água está quentinha"

e o estrondo se dava
em cima do vidro da mesa
Num misto de sons e cores.

E a minha pequena ria,
ria,
a cada caneta
que das pequenas mãozinhas
pulava travessa

Por falar em coisas que se vê
não vi mais a minha esperada novela

mas, apenas a pequena
e a brincadeira inventada,
por sua azul-piscina inocência.



(Jessiely Soares)

Pequena





pé ante pedra
ela pula os degraus
até embaixo.

eu gritando feito louca

"Olha o carro!"

ela apenas sacode os cabelos
de fino embaraço:

"Não há. Posso atravessar?"

antes que eu lhe diga
sim

já está do outro lado.

Independente
quer ser ela

ainda de tranças e meias.

Não faz idéia do que é
caminhar pedra ante pé

por uma vida adulta inteira.


(Jessiely Soares)


Imagem: Jessiely Soares

sábado, 22 de agosto de 2009

Pedaços





"Minha vida não cabe nos trilhos de um bonde"
(Caio F.)



É, há noites em que o sereno invade a sala de estar, mesmo com as janelas fechadas.
Não sei o que há, Baby. Minhas asas andam descolorindo.
Não tenho gosto por cigarros, porém, se eu gostasse, poderia criar uma nuvem venenosa e me afogar em um ritual.
Mas eu realmente não fumo. Tenho gosto por tulipas.
Tulipas não vivem onde mora ausência. Minha sala anda recheada de saudades velozes.
Contudo, certamente não sei se a ausência é apenas de você, sabe? Por entre as pedras soltas, eu acabei descobrindo que ando sumida.
Será que foi o vento de Julho?
Dia desses achei um poema, debaixo de uns livros velhos. Perdi o Leminski que estava lendo, mas guardei a poesia. Desde essa hora em que o achei, pareceu-me que eu sumia. No começo achei que era viagem... Mas agora vejo que me ausentei. Em lapsos, tempos em tempos, percebo que sua bagagem seguindo ao seu lado, de ida demorada, levou-me um pedaço.
E, a continuar nesse episódio, sua conexão via celular, me arrancou mais alguns estilhaços.
A julgar daí, todos os momentos, foi como se eu estivesse me desmontando, periodicamente, e alcançando seu gesto de alguma forma: Ora pelos remansos dos rios do Recife, ora pelos pingos de chuva.
A vida é mesmo um desmoronamento progressivo. Eu fui ficando metade, fatia, pó...
E no último dia, antes de vir embora, não percebi ( e nem você ) que eu ficava, completamente carcaça, dentro daquele ônibus interestadual.
(Jessiely Soares) 
Imagem: Google.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Naufragado Poeta





O sol recifense desperta
E, espreguiçando-se ainda,
Livrando-se do torpor da noite,
Com seus primeiros e fracos raios de calor,
Depara-se com uma cena curiosa:

Eu vou, sozinho numa humilde canoa,
Remando com meus remos de plástico
Pela Bacia do Pina,
Como um sobrevivente de um naufrágio
Em busca da ilha perdida.

As águas estão calmas
E se vê as margens a terra lamacenta do mangue,
Enquanto a maré baixa
Contrapõe-se à enchente na minha alma.

As pessoas sobem a ponte lá em cima,
Dentro dos carros e ônibus
E me observam até a descida:

Tomam-me por pobre pescador,
Daqueles que nem
Rede de pesca
Tem.

Quando eu sou apenas um poeta
Fugindo do naufrágio da vida.



ANDRÉ ESPÍNOLA (Recife - PE) http://andreespinola.blogspot.com

Sinestesia




Não somos parecidos
nem sequer nos desvarios e esquecimentos.

Um porto selvagem se perde além das nossas trincheiras
e o que resulta
além do arrastar uma areia espessa

é algo como um chuva
num chão devastado por
por cores de serpentes e borboletas.

Tu és esfinge
eu sou apenas
o espectro

e ainda assim, não somos parecidos
nem sequer em nossas tormentas.

Caminhamos lado a lado
eu, fazendo escarcéu com o gosto do toque da névoa
e o teu rosto brincando de incendiar os belos
e mortos
pássaros de ar

que tu mesmo inventas.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Enquanto semeio canções





Hoje é como se eu andasse de novo por aquele caminho.
A mesma noite ainda treme.

Como se o Sol aportasse outra vez, como se fosse ontem,
com aquela vista perene.

É como se a vida inteira tivesse parado
num circulo eterno
e todo o meu caminho acabasse no exato final dos teus olhos

Hoje é como se nao amanhecesse nunca.
E como se, de todas as canções, nenhuma restasse

Hoje é como se além da névoa e daquela ruína
o dia, o horizonte, num maremoto de nuvens,

e cada falha nessa ponte que passo,

apenas te gerassem.




(Jessiely Soares)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Caminhar-deserto




Teu olhar
esse doido
amotinado
rebentou vidraças
estilhaçou anteparos

perverteu rumos
de um caos perfumado
que não será futuro.

onde me cabe a tua compaixão
- esse toque de leveza -
de tudo sobrou
só a correnteza

esses cacos
esse cheiro de sândalo
esse teu olhar acorrentado
aos pés de algum vale sagrado.

teu olhar
esse doido
amotinado

destruiu minhas tâmaras
- as certezas do meu caminhar deserto-
e meu cântaro.




(Rosa Cardoso e Jessiely Soares)

domingo, 2 de agosto de 2009

Desatino



na pedra fria
caída ,distraída
na chuva
balbucio atos.

Todos falhos

o lobo sorri
escondendo os dentes
eu sorrio
desvairada 

o frio  escorregando pelas entranhas

cortada ao meio
lacerada

 descia pela chão
em  belos arabescos




(Rosa Cardoso)

sábado, 1 de agosto de 2009

Antítese




É noite
e o Sol
brilha.

- É dia!

É noite ...

Porque essa coisa mística
adivinha teu nome

É dia - dizem -

Mas em mim,
é noite.





(Jessiely Soares)

Ave negra



Só risco o teu céu
em dia de chuva e de vento
e canto no teu muro
para te acalmar

Sempre que há tempestade.

Quando o céu fica azul
faço o caminho inverso
volto pra o teu inconsciente
pra teu esquecimento efêmero

E nada mais te peço.

Só quando os raios desfazem
a paisagem dos teus desejos,
tu me trazes de volta,

com as asas negras
pousadas em teu peito.

A primavera é só tua
entre noites de lua e concreto.
No frio, vulnerável,
reacendes-me

Só eu sei clarear o teu inverno.



(Jessiely Soares)

Olhos de Jabuticaba

Para Anniely Mariah


Por seu barulho
a casa em silêncio
ansiosamente espera

Os pequenos quadrados
os jarros pintados
as paredes fingidas de tela.

Menina,
ciclone
extra
tropical

Nos espaços onde você impera
rastros de flores e cavalos
canções de ninar em abraços

Segredos entre criança
e bonecas.



(Jessiely Soares)


Imagem: Anniely Mariah

Autoria : Jessiely Soares

terça-feira, 16 de junho de 2009

Annie



Com tantas cores em giz
ela desenha um mundo
entreaberto

uns poucos pontos de luz
a serem pescados

uns rápidos vagalumes,
um cavalinho que trota...

não percebeu no entanto
que por uma onda de pensamentos
escapariam
todos os desenhos

o céu
tão bem pintado

escapou pelo rasgo provocado
no rasante entardecer da gaivota.


(Jessiely Soares)

Compaixão




Nossos caminhos
deitados e esquecidos na sendas

Não fazem mais tanto peso na memória.

Não correm dos ventos,
Não adormecem 
de forma aleatória

Não há mais espaços
para acalentar as nossas feridas.

Tudo anda velho e corroído
eu ando querendo ser devorada por traças,
perfurada por metais envelhecidos.

Ou, quem sabe, dopada por um olhar envenenado...

E se eu não te falo dessas vontades subliminares,
não repare,

Eu não gosto quando você me devota sua pena.
Prefiro ser a musa para o teu verso intacto. 


(Jessiely Soares)

sábado, 6 de junho de 2009

Seis de Junho de Dois Mil e Nove.



Pelo menos, 35 mães choram seus 35 filhos.
35 mães choram seus 35 filhos.
35 mães choram.

35 mães choram sangue, pelas chamas que mataram seus 35 filhos.


                                                                                         México,

por ti
e por teus infantes mortos

espero que hoje
não haja
nenhum
poema no mundo



(Jessiely Soares)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Distração



Adentro a sala
de espelhos;

parede atrás de parede

e apenas o teu reflexo.

Não há mais nada,
sequer a geada,
sequer o inverno,

Só uma longa sombra
que desce as paredes.

e a amarga certeza

De que, espelho atrás de espelho,
tu segues nos mesmos trilhos da minha vida...

Mas no teu caminho inverso.


(Jessiely Soares)


Imagem de: Ana Cláudia

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Selvagem

Das tuas palavras
um bendito e alegre
sumo escorre

Vale, deserto
mediterrâneo-cipreste.

A tudo, tua palavra colore

mesmo quando eu leio
em onirico estado
as coisas que nunca dissestes.


(Jessiely Soares)

terça-feira, 26 de maio de 2009

Princípio

Há noites
como essa
que de um escuro tão súbito

dá-me a impressão de que o dia
não será moldado

e que as estrelas foram
arrancadas de seu cordão flutuante

caindo no mediterrâneo.

São assim, em desenhos noturnos,
com buzinas salpicadas
que eu penso
que tudo ainda anda
sendo misteriosamente construído

em cadeias com vidros fumês
e grandes precipícios.

Tenho muito medo do futuro
em noites longíguas como essa
que persiste.

Noites assim duram uma manhã
uma tarde
e uma noite inteiras

Em que a chuva engloba tudo que inexiste.


(Jessiely Soares)

terça-feira, 19 de maio de 2009

Polar


Os versos caem frios
e eu acendo a lareira
para aquecê-los.

Prefiro que derretam
e molhem meu assoalho
a se crisparem em meu chão
a se tingirem de espelho.

Não escrevo poemas
sólidos.

Eu esquento o sentimento que nasce
ate livrá-lo do gelo.

(Jessiely Soares)

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Primeiro encontro





Pequenos espaços e segmentos se agrupavam na manhã.
Seu sorriso, todo incompatível com as sombrinhas de Boa Viagem, ofertava algo entre água doce e paz de pedra.

Era de um desejar tão ameno que pintou de mansidão a onda, aquela que carregou minhas sandálias, quando a maré subiu a sua ordem.

Eu fui pega desprevenida. Veja só, contra o amor não há fator de proteção solar!

Você chegou como sombra em pleno caminhar Sol.
Não sei como fez isso, mas de lá pra cá, plantou-se mais verde na minha íris.

O seu cuidado fez brotar plantação. Os girassóis nem adormecem de tanta ansiedade.
Algo no seu corpo me diz que a safra será boa esse ano.



(Jessiely Soares)

Como se Ariadne fosse


Você que desenha cada passo
no labirinto...

e que guarda com cuidado
meus panos de medo sob seu chapéu

faça-me ouvir por todos os meus dias
o seu sorriso místico.

Nada mudou
no além
da nossa janela:

Seu mundo ainda desafia distâncias
para pendurar
prateados fios de sono

na manhã da minha aquarela.

Por zelo.
Pois sabe que eu quase não durmo.

Trago comigo os destroços de quando
dei-me a idolatrar o vento, a água,
o céu e o risco.

Esse fato, também o sabe:

Você, Mohandas. Pacifista.
Eu, Guevara, de bom grado,
seria de alguma força-combate

em alguma revolta ativista

Seus dedos desenham noites.
E tantas vezes,
fizeram-se em arabesco,
para acalmar
todas as minhas cicatrizes.

Seu amanhecer tem sido minha bandeira
atrás da linha do medo,
onde me sinto mais segura.

Tenho receio da sua partida.
Receio inconfessável.

Eu, finjo que não vejo;

Mas sei da tua silenciosa batalha
num labirinto sem linha

Num lugar asfáltico,
sem deuses, minotauro,
Olimpo ou ninfas.

Atravessando o deserto sozinho,

Apenas
Para unir

- sem mais infortúnio e sem as garras do destino -

essa vida, ateniense, em pacífica calmaria,
sua,

por ocasião da eternidade,

a esta, espaçosa e barulhenta,
de revoltas televisivas e de guerra, em intensa atividade

espartana, minha.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Refaz-me


Ó, noite, não tardes, vinga!
E recai sobre minha cama,
traiçoeira

Deixa em meus lençóis
Leituras marginais

E espalha meus desejos
Como areia

Impassível,
Luz na qual me perco,
destrói toda razão
a qual me presto

Arranca
Minha língua do deserto

Faz-me recriar
A incontestável arte

Desenha
Tatuagens de Sol
Com átomos

E faz companhia
A minha ilegalidade.

Como os sonhos
indevidos
Que me bastam

Como manuscritos
Do Mar Morto
E sua fragilidade.

Não tardes
Ó, Noite,

Refaz-me.


(Jessiely Soares)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Duplicidade


Ela se tinge
bela
de tecidos
e esperanças
em castellano.

Um século
de pequenas
parcelas
de sangue em pires,
de planos cartesianos.

Eu apenas miro-a do espelho
penso que sou o reflexo dela,
que
maquiada,
vestida de pó,

cocar
e
linha
com canela

fuma os pequenos pecados

enquanto eu, suando algemas,
sou apenas
selva,
holograma
e insígnias

O corpo é meu.

Noite fingida,
até isso fantasiaram
de medo,

a ciência anda tão provocativa...

Fatos e desafetos
andando pelas calçadas

ela,
de manhã transfigurada
acorda
em passeata
furiosa
e etílica

O seu cheiro mora em meu corpo
sou feita da sua erva.

O corpo é meu,
visita a Igreja,
museus e ruínas...

A alma é dela
me olha do espelho
e se tranca no quarto
de cima.

Ela sou eu.

Eu sou ocaso,
ela minha alma,
estranha aparição,

escondida pela minha sina.



(Jessiely Soares)

Marcas





Quando teu Garcia Márquez sem capa
caiu da prateleira
e teu corpo
serpenteou para pega-lo

Não poderias prever
que a divisão dos teus medos
constava de monossílabos
e pequenos estilhaços.

Se tu tivesses me previsto
eu não seria tua pintura
impressionista.

Nem Maria,

- por Eça de Queirós,
tão perfeitamente construída -

Cruzando, com rubro guarda sol,
as ruinas do teu fado.

Se teu Cem anos de solidão nao caísse no meu colo
assim,

como dado viciado do destino,
e a mancha não nos tivesse violentado

eu não te diria que o escuro tem braços,
e, somente nós não sabíamos.

Se tu me soubesses antes disso
eu nem saberia do teu abraço
Nem da marca indelével,
de um sabor que não cruza a calçada

Feita de manhãs e cafezais
pintado num passado amanhã despedaçado:

No dia em que teu Garcia Márquez sem capa
caiu da prateleira
em meu corpo

que, com fúria de pó e fera,

aninhou-se para entrega-lo.


(Jessiely Soares)



Imagem de: ..:Geisa:..