terça-feira, 30 de setembro de 2008

Pedaços


Aquela margarida
riscada à caneta
na sua blusa

o tempo e o mundo
apagaram.

Ficou, de tudo, apenas o trapo.

Como o jeito e o sorriso
de estampas de pano
e cheiro volátil.

Destino e vida

feitos de ampulheta intempestiva,
misto de areia, castelo e barco.

Nenhuma garrafa flutua.

Ficou, de tudo, somente o abraço


(Jessiely Soares)

Fragilidade





Seus pedaços
se espalham
pela casa

como cristais de saudades
irremediavelmente pintados
pelas tuas mãos ausentes.

Como
se eu fosse
pedra.
Ou chuva, domingo,
relíquia, mormaço...

Deixei de ser coisa inteira.
De pouco me vale essa noite.
A pólvora a qual não ateei fogo,
incendiou-me...

E no momento em que achei
que todo o meu destino
estava num intempestivo
momento reacionário.

Explodi.

De mim, cinzas.
Na minha fragilidade de estilhaço.



(Jessiely Soares)

domingo, 28 de setembro de 2008

Génese




*

Em todas as palavras
que desenho alheia
em páginas eólicas
enquanto o sono
me pega no colo,

rogo,
para que os sonhos
seguintes
me levem, voláteis,
ao teu encontro.

Sob algum luar,
sem saudades ou destroços...

Entre todas as palavras
que desenho alheia
em páginas eólicas
enquanto o sono
me pega no colo,

eu, deitada tão longe...

re-ordeno as estrelas,
re-incendeio os cometas
e mudo as distâncias.

Re-desenho a nossa vida
sem muro nem vales,
sem estradas covardes:
Em um planeta só nosso.

(Jessiely Soares)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Oferendas



*


Do fundo dos teus olhos
acalentei dois mundos

contidos na palma da mão,
íris espelhou

passado, futuro...

Se tu voavas, cego, caias.
Cais do meu corpo

poça d'água,
desenho de fundo de mar
que encandeia

os presentes deixados no colo.

Doces, alvos, medrosos,
sutis como o florir da Oliveira:

Dois mundos
passado, futuro

alguns segredos que são nossos,

Nossos passos e destroços,

e teu medo que ainda quebra na areia.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ilusão de Ótica





Essa imagem que a câmera aprisiona
- bela - não sou eu.

Não vês que esses olhos verdes
não podem, sequer,
caber nesse rosto?

Vulcões em erupção
deixam tudo em lava e cinza...

Mas esse mar,
esses pontos cardeais,
essa floresta viva,

imagens que a câmera aprisiona,
verde, como raio de inverno em Agosto,

Nem minha retina,
Nem minha ruína.


Toda essa sutil transparência
- como espelho e chuva fina,
não passa de meu esboço.



(Jessiely Soares)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Das velhas noites e da nudez etérea ( Ao meu André e ao Recife Antigo)


Fotografia: Felipe Ferreira

*


Não sei se é algo em tua pele.

Desde o último vinho
restou algo balsâmico
na boca.

Um certo alívio.

E já que não posso
insinuar as ondas
nem tampouco
resvalar na atmosfera

Gostaria de mostrar,
quando me deito no chão,
o quanto Vênus exerce meu desejo
de ser deusa

- na tua estante
junto aos teus livros de literatura -

Ou sobre tua cama.

Mas o que interessa
é que em nossa última embriagada alucinação

restou algo balsâmico
na boca.

Um certo alívio.

Dizer que te amo
foi a melhor coisa que já fiz na vida.



(Jessiely Soares)

Das vidas reescritas


*



Decidiu então,
que sumir seria interessante...

- Por algo que o valha, sempre é -

Mas por aquelas tardes longínquas,
por aquele arrebol de cristal
ou por meus prismas,

- Já não tenho certeza -

Há tempos já não sou mais
aquele rio transparente,
compreende?

Depois da última gaivota virei caudalosa.
Gosto mais de ser solitária que navegável.

Verdades e companheirismos
me afetam profundamente.


(Jessiely Soares)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Dos pequenos episódios enluarados que ferem diariamente


Mas que névoa
que faz mudar a noite quente

quando ela se converte
em lua morta...

Enquanto eu, atirada, numa súbita e remota
revoada de emoções intempestivas

deixei sob o verso,
o suor e a camisa

de quem agora já cruzou a minha porta.

Mas que lua
que se assenta em minhas serras!

Única, como a cúpula Sistina,

como revoltas, como rubras e finas crinas
dos cavalos que pisaram o meu vento

galoparam os sentimentos em seus cascos

e meus pecados escandalosos
e capitais.

Mas, que nada, que vazio,
que noite!

Quando a brisa embriagada de dissabores
vem trazer-me a janela teu retrato.

Que lanceiro, que tristeza, que diabo...

Enterra meus desejos
numa noite morna e clara.

Do cheiro e das lembranças do futuro que'inda não veio
do medo que eu tenho, desse escuro que receio

reapareces como prece
no meio da noite morta

Deixando a brisa rouca, roçando a minha boca

Me engravidando de saudades
com as tuas mãos eólicas.


(Jessiely Soares)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Possibilidades


*


Se você descesse do seu altar

e aceitasse
o convite que faço

nesse ninho branco
que se acende em rua clara

quando o universo
se converte em meu espasmos.

Eu cantaria mil cantigas
adormecidas

para teu desígnios anteriores,
teus juramentos

Para ser mansa, pura, leve
em seu encalço

para ser verso estrelando
seu firmamento

Se você descesse do seu altar

Lua, floresta,
canyon de nossos riscos

Planetas, satélites
luares-de-maio,
conflitos.

eu, nua, em seu céu
como asteróide.

Você, vestido como astro,
com órbita e luz própria...

convertido em infinito.




(Jessiely Soares)