sábado, 31 de outubro de 2009

Desesperación


De todas as faces das minhas angústias
essa, aqui, refletida na mesa

entre corais e bandejas
essa é a que mais me domina.

Essa, coberta de tantas esferas
essa que a tudo se assemelha

essa que reflete e verseja
essa que mais me ilumina

é a que mais me amedronta.

Essa que me acompanha
quando nada mais me encontra.

Essa que eu nunca confesso,
essa, com a qual nunca sonhei

essa completa e disforme
que me prende e não some

essa estranha insone

essa, meus caros leitores,
essa que sou eu mesma
embebida em tantas tristezas
que eu já nem lhe sei mais o nome.




(Jessiely Soares)

Sueño

http://arturguimaraes.files.wordpress.com/2007/07/sonho1.jpg




Gotejou-me
e eu era terra fértil.

Brotado
decidiu não vingar.

Caule partido.
Deserto imperando,
folhas, raízes, navios de ar,

sem hora de lançar âncoras.




(Jessiely Soares)

Deserto de olhos


http://vozesdomar.blogs.sapo.pt/arquivo/368254.jpg



Há muito não chove.

Pregado no lodo que sequer existe
está meu aprendizado sobre a vida:

Uma lágrima solidificada,
uma mão calcária,
uma fagulha,

umas coisas miúdas,
um álbum de fotografias,

algumas rachaduras mortas,
estraçalhadas de ar.

Uns sorrisos que vovô me dava
balançando na sala
numa cadeira com panos.

Alguma frase para ser
o arremate dos poéticos enganos
e essa vida, por demais vazia

Tudo nas cicatrizes que larguei
para o vento fragmentar.

Já que esse lodo, que sequer existe
tem alguma coisa que eu ainda queria:

olhos de açude rachados de seca,
ruínas de mares, e essas manhãs em que eu não mais me chamo.

Sutis mortes que ainda me deixarão
fóssil,
cinzas
ou poesia.




(Jessiely Soares)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cantos para o infinito








Nada cabia ali.
E ao mesmo tempo, cabia um rodopio de ares e gaivotas.

Devagar, com a singeleza dos pequenos afetos, eles se iam e voltavam como marés.
Algumas canções e pingos de água salgada dos cabelos dela, assentavam na areia dos pés dele.

Eram, de repente, soltos em meio a tanta conchas, um veleiro. Com panos de cobrir a vida.

Jovens, decerto, porque ainda eram tingidos com as nuances da inocência.
E todo o paraíso ainda era de nuvens tamanhas que adivinhavam aviões.

E ela nunca havia navegado no Pacífico.
E ele nunca havia visto o Sol nascer no Atlântico.

A vida era uma boca de engolir sonhos, no meio do mar morto, sais de todos os tipos agrupados nos olhos.

E a liberdade cheirava a coisas sublimes.
Eram finalmente dois navegantes das areias infinitas.

Além, muito além do ancoradouro.


(Jessiely Soares)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Diário da Distância III



Agora perceba, agora, que o ônibus partiu
e a casa inteira pôs-se a  me consolar,
perceba que o mundo inteiro
é composto de uma calma gelada.

Se fosse diferente - note que eu possivelmente serei incoerente -
as efusivas divisas não teriam a duplicação das estradas e
não seriam todas recobertas de asfalto brilhante.
(quando eu era menina, entrei no mar de Tambaú e sujei meus joelhos com piche)
e menos ainda convidativas e iluminadas.

E para que tudo isso existe senão para cultuar a distância?

O ônibus já partiu.
Entre o retrovisor e eu, já há léguas.

Mesmo assim, estou aqui,  com esse frio digno de São Petersburgo,
disposta ainda a lhe fazer um aceno. Uma cena...

Para que você compreenda
que esse mundo, nada mais é que uma agonia longa, asfaltada e portadora de saudades
e que nós, coniventes, chamamos de casa

É uma fábrica de distâncias, para que olhos famintos de companhia
sofram as dores que separam todos nós:

habitantes terrestres
de ninhos reformados,
tolos órfãos da pangéia,
animais sem asas.



(Jessiely Soares)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Alvenaria




Alguma coisa entre nós, sempre me prende ao romântico:
ao profano, ao sagrado, ao recanto
onde possa construir um descanso
para deitar e ouvir sua voz.

Quero construir, ao redor dessa arquitetura, uma lagoa
e nela pôr patos selvagens.

Quero um afago de cavalos a correr pelos fins de tarde,
quando a serra se tinge de vermelho

Quero um balanço bem grande para brincar de assanhar os cabelos
de minha pequena

Em uma vida nada barroca.

Um banco de descanso, um pôr de sol soberano,
uma casa-inventada-poema.
Com entradas para ventos que saibam cantar cantigas.

Você e eu. A pequenina.
Desenho de dois poetas, casa de fazer poesia;
Como ecos pelo amor de tudo, como cantos a encantar estrelas.

Casa-Poema de inventar mundos,
casa-poema para criar os filhos,
casa-poema de cimento e telhas.


(Jessiely Soares)



IMAGEM - João Barcelos ( AQUI )